A RECONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA PASSA PELAS CIDADES

Com forte teor político, 21º Congresso Brasileiro de Arquitetura abre o debate sobre o papel do profissional na construção da cidadania nos espaços urbanos

Por Patrícia Lima

Foto Marcos Pereira


“Quem não faz política, sofre a política dos demais”. Se fosse preciso, a conhecida frase do arquiteto Clóvis Ilgenfritz poderia resumir a abertura do 21º Congresso Brasileiro de arquitetura, que ocorreu na noite de quarta-feira (9 de outubro), no Auditório Araújo Viana, e reuniu mais de 1.300 pessoas. O apelo para que a classe se engaje politicamente em sua atividade profissional e, assim, exerça seu papel decisivo na construção de espaços democráticos nas cidades, começou com a entrega do Colar de Ouro do IAB ao próprio Ilgenfritz, homenageado do ano. O tom ficou ainda mais forte com a conferência de abertura, proferida pela arquiteta, ativista e professora da USP, Ermínia Maricato.

– Vamos reconstruir a democracia passando pelas cidades – afirmou Ermínia nos momentos iniciais de sua palestra.

Ao mostrar números de uma pesquisa de 2018 do IBGE, Ermínia demonstrou o tamanho da desigualdade que caracteriza o Brasil: enquanto 2,7% das famílias que ganham acima de RS 23 mil por mês detém 20% da renda do país, 42,5% dos que ganham até RS 2,8 mil ficam com apenas 13,6% do bolo. Segundo ela, parte desse cenário se explica pelos 388 anos de escravidão vividos pelo Brasil, que deixaram marcas profundas na cultura e na estrutura social do país. Ao usar a expressão criada pelo professor e crítico literário Roberto Schwartz para explicar a obra de Machado de Assis, Ermínia afirmou que o Brasil segue sendo um país de “ideias fora do lugar”: escravismo que convive com ideário libertário. O resultado, de acordo com ela, é a abissal desigualdade, que tem nas cidades a sua mais cruel metáfora. Depois de uma mudança abrupta do modo de vida rural para o urbano, o Brasil vive o desequilíbrio social nas metrópoles em busca dessa adaptação.

– Como arquitetos, precisamos entender essa mudança, que ocorreu rapidamente nas cidades, e de que modo o ambiente urbano se deteriorou. É nosso papel melhorar as condições sociais e ambientais em meio a essa mudança – salientou Ermínia.

A solução, de acordo com a professora, passa pelo engajamento da categoria nas questões que ocupam o debate em torno das cidades. Ela relembra que, nos anos 1960, diversas parcelas da sociedade estavam mobilizadas pelas propostas das reformas de base – movimentos que foram esmagados pelo regime militar que se iniciou em 1964. Com o início do lento processo de abertura, os grupos sociais voltaram a se engajar, os arquitetos inclusive. O resultado foram décadas de experiências democráticas bem sucedidas, como o orçamento participativo em diversas cidades, o que representou a melhoria efetiva da vida das pessoas nos centros urbanos. São desse período as primeiras iniciativas de assistência técnica para moradias populares.

– A participação dos arquitetos foi vital, pois a cidade que era invisível se tornou prioridade graças a esses profissionais.

Há algum tempo, no entanto, a categoria, como a sociedade civil de modo geral, se desmobilizou. O papel social do arquiteto, responsável por garantir a cidadania no tecido urbano dos grandes centros, foi substituído pelo interesse do capital e das grandes empresas. O lucro imobiliário, para Ermínia, tomou o lugar da reflexão e da participação democrática das pessoas, que ao invés de decidirem coletivamente os rumos do seu bairro e da sua cidade, estão sujeitas ao humor dos investidores. O caminho é retomar essa participação.

– Não vamos reconstruir a democracia brasileira no Planalto Central, mas nas ruas, escolas, igrejas. O Estado abandonou a periferia, mas nós precisamos retomar a nossa capilaridade e ocupar esses espaços – afirma.

Ao falar sobre o Programa Brasil Cidades, que busca a reunião de forças na sociedade para fortalecer o debate e propor ações em torno do tema, Ermínia destaca que esse é um passo para a tão necessária ocupação dos espaços. Sem filiação partidária específica e com projetos cujo alcance ultrapasse em muito as eleições, o objetivo do programa é aglutinar, organizar e engajar. E, como se trata do futuro das cidades, os arquitetos são elementos centrais.

– Precisamos disputar todos os espaços que pudermos, seja na mídia, no Direito, na política. Ninguém vai reconhecer nosso valor se não brigarmos pelo lugar que é nosso – completa.

Emoção, homenagens e boa música

As melodiosas notas das Bachianas, um dos mais famosos concertos de Villa Lobos, abriram com delicadeza uma noite marcada por posições firmes e apelos urgentes. Entoadas pela orquestra que leva o nome do maestro, um projeto social que há 25 ensina música a jovens da periferia de Porto Alegre, outras canções, de Paul McCartney a Adoniran Barbosa, abriram oficialmente o 21º Congresso Brasileiro de Arquitetos, no palco do Auditório Araújo Viana. Depois da música, os debates mais urgentes para a categoria tomaram conta do palco.

O presidente IAB/RS, Rafael Passos, relembrou a trajetória da instituição, que esteve na linha de frente das lutas pela redemocratização do país durante o regime militar. Hoje, segundo ele, é papel dos arquitetos repensar o modelo de desenvolvimento dos centros urbanos e propor um novo olhar sobre todos os espaços, para que sejam catalizadores da democracia.

– O espaço é nosso ambiente de trabalho. Nele, temos desafios na parte técnica, mas também na dimensão política. Façamos o que só nós podemos fazer – convocou Passos.

Ainda destacando o caráter engajado das entidades representativas da categoria, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva afirmou que a criação do Conselho é fruto da mobilização dos arquitetos, que deve continuar contra as ameaças de desregulamentação da profissão. Já o presidente do IAB nacional, Nivaldo Vieira de Andrade Junior, ressaltou que os arquitetos seguem comprometidos com a criação de espaços para que todos sejam cidadãos.

O primeiro homenageado da noite foi o arquiteto Clóvis Ilgenfritz, que recebeu o colar de ouro do IAB por sua trajetória, especialmente pela atuação na aprovação da lei da Assistência Técnica de Habitação de Interesse Social (ATHIS). Hospitalizado em função de uma doença pulmonar, Clóvis foi representado pelos filhos Tiago, Letícia e Camilo. Briane Bicca, arquiteta homenageada pelo evento, militante da causa da conservação do patrimônio histórico e com atuação destacada no Iphan. Foi uma das responsáveis por tornar Brasília patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, e dirigiu os primeiros passos do programa Monumenta no Rio Grande do Sul, viabilizando a restauração da Praça da Alfândega, em Porto Alegre. Briane, falecida no ano passado, foi representada pelo marido, Paulo, e pelos filhos Sofia e Diogo.

– Momentos como esse são contraditórios para mim. Assim como sinto alegria e satisfação pelo reconhecimento à minha querida e saudosa Briane, também sinto tristeza pela sua ausência. Mas que aqui prevalecem os primeiros sentimentos. É disso que ela gostaria – disse Paulo, muito emocionado.



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