Texto e foto Patricia Lima
O auditório Dante Barone, na Assembleia Legislativa, ficou lotado para a plenária que marcou o final do 21º Congresso Brasileiro de Arquitetos. Entre as conclusões resultantes das muitas reuniões, encontros e palestras, as principais foram o destaque ao papel social e político do arquiteto, agente indispensável para a preservação da democracia através da valorização e da humanização dos espaços; e a importância da regulamentação da profissão, especialmente diante da ameaça de desmobilização das entidades representativas. Aprovada por aclamação, a “Carta de Porto Alegre” enfatizou a urgência do debate sobre esses temas não somente entre os arquitetos, mas envolvendo toda a sociedade brasileira.
“Reafirmar que nossa contribuição para a qualificação do ambiente construído e do espaço urbano ultrapassa o projeto e a construção, incluindo o papel de mediação e conciliação dos interesses dos diversos atores sociais urbanos e deste, com o poder público”, diz um trecho da carta.
O encontro também foi de homenagens aos grandes profissionais. A mais importante delas foi a decisão, também aprovada por aclamação, de encaminhar à Câmara de Vereadores de Porto Alegre a proposta de batizar a Alameda dos Jacarandás, na Praça da Alfândega, com o nome da arquiteta Briane Bicca, incansável defensora do patrimônio histórico edificado, que implementou o Programa Monumenta em Porto Alegre e que trabalhou para a revitalização da Praça. A atuação de Briane não se limita à capital gaúcha, pelo contrário: graças a ela, Brasília foi reconhecida pela Unesco como patrimônio Cultural da Humanidade. Caso a proposta seja aprovada pelos vereadores, a via passará a se chamar Alameda dos Jacarandás – Briane Bicca.
Além de Briane, o arquiteto Paulo Ormindo Azevedo recebeu a medalha Edgar Graeff em reconhecimento ao seu trabalho em pesquisa e ensino. Já Antônio Carlos Campello Costa recebeu a Medalha Gastão Bahiana por sua atuação em favor da profissão, posicionando o arquiteto como um ser político, com possibilidades concretas de intervir na redução dos problemas brasileiros. Mesmo à distância, a família de Zezéu Ribeiro recebeu um diploma em sua homenagem, como reconhecimento ao trabalho que realizou.
Ao agradecer a participação do público e da organização, o presidente do IAB/RS, Rafael Passos, lembrou que o desejo de todos era fazer um evento fora da caixa, para que os temas do “espaço” e da “democracia” fossem debatidos com profundidade e com experiências.
– Apostamos em uma organização diferente, que construísse uma relação diferente com a cidade sede. Não poderíamos organizar um evento em não-lugares. Os centros de eventos são não-lugares em qualquer parte do mundo, e não queríamos isso aqui. Ocupamos o Centro Histórico de Porto Alegre para debater espaço e democracia – salientou Passos.
O presidente do IAB Nacional, Nivaldo Andrade, anunciou o Congresso Mundial de Arquitetos, que ocorre em 2020, no Rio de Janeiro, e antecipou alguns temas que dominaram o debate. Segundo Andrade, a alegria em homenagear os colegas com medalhas e diplomas revelou também a frustração pela pouca quantidade de arquitetas mulheres já reconhecidas por essas premiações.
– Para os próximos eventos, precisamos de mais representatividade. Sabemos que precisamos dar visibilidade às nossas colegas, tão importantes para a profissão e para a sociedade brasileira. É nossa missão concentrar a indicação de mulheres para minimizar o déficit no reconhecimento de arquitetas, para que recebam o Colar de Ouro e outras comendas que valorizam a nossa atuação profissional. Temos essa dívida e esse compromisso – afirmou Andrade.
– Viva as arquitetas desse país! – exclamou uma das mulheres na plateia, imediatamente aplaudida com entusiasmo por todos.
Confira a íntegra da “Carta de Porto Alegre”:
CARTA DA CIDADE DE PORTO ALEGRE
21o CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS
Os arquitetos e as arquitetas e urbanistas brasileiras, reunidos no 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS, na cidade de Porto Alegre, que acolheu, entre os dias 09 a 12 de outubro, milhares de participantes em suas praças, teatros, museus, centros culturais e universidades, reafirmam seu compromisso histórico com a democracia, a liberdade, a justiça e a alegria.
Diante de um contexto global de recessão democrática e movidos pelo desejo de refletir sobre as relações entre espaço e democracia, e diante da perspectiva de as cidades assumirem papel preponderante na efetivação da justiça sócio espacial, propõem:
Exigir a integração das políticas públicas de habitação, saneamento, mobilidade e equipamentos sociais na sua dimensão territorial, especialmente nas áreas de maior vulnerabilidade, como estratégia de promoção da cidadania;
Garantir o direito constitucional do direito à cidade, incentivando a atuação profissional no atendimento às áreas e populações de maior vulnerabilidade por meio da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social e demandando recursos públicos para a produção e a melhoria habitacional de qualidade, inclusive em áreas centrais;
Constituir uma base permanente de monitoramento e da efetividade de implantação de instrumentos da política urbana, tendo como indicador a produção habitacional, a produção de espaços públicos, refletido na Nova Agenda Urbana e nos Indicadores dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Reafirmar o planejamento territorial como fator de inclusão democrática e participativa.
Reafirmar que nossa contribuição para a qualificação do ambiente construído e do espaço urbano ultrapassa o projeto e a construção, incluindo o papel de mediação e conciliação dos interesses dos diversos atores sociais urbanos e destes com o poder público;
Difundir a compreensão de que a cidadania plena e inclusiva só existe quando materializada no território, onde se realizam os direitos constitucionais universalizados à moradia, ao saneamento e à mobilidade com um pensamento interseccional que garanta o acesso de todas as pessoas. São necessárias menos obras novas e mais regularização fundiária, financiamento de pequenas reformas e ocupação de imóveis ociosos.
Repudiar os recentes ataques, por parte do governo federal, às instituições públicas responsáveis pela salvaguarda do patrimônio ambiental e cultural do país, em particular o IPHAN e o IBAMA. O desmonte destes órgãos, construídos ao longo de décadas a partir dos esforços de toda a sociedade, deve ser combatido não só pelos arquitetos como por toda a sociedade brasileira, sob pena de perdas irreparáveis à memória coletiva, à identidade brasileira e ao meio ambiente.
Reafirmar a defesa intransigente da educação de qualidade para todos e em todos os níveis, frente ao quadro de desmonte, precarização e mercantilização da educação nacional que vem sendo promovido por ações governamentais; e exigir o aporte de recursos públicos suficientes para a continuidade e a ampliação da pesquisa científica, nos institutos, universidades e nas instituições, além do aprimoramento e da ampliação dos programas de inclusão, permanência escolar e cotas. Em nosso campo do conhecimento específico, manifestamos nosso total desacordo com a adoção do ensino a distância na graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Enfrentar as assimetrias presentes em nossas entidades representativas, entendendo a plural dimensão das pautas que tangenciam nossas atribuições e a fundamental e necessária ampliação da participação dos diversos setores demográficos e sociais da população, sob a perspectiva de gênero, raça e classe, na produção das nossas cidades. Tal diversidade é fundamental, pois incide não só na ampliação do debate democrático em nossas entidades e autarquia, mas, também, reflete a alternância de nossas propostas para as cidades e o campo reflexivo da arquitetura e do urbanismo.
Ampliar oportunidades de trabalho e renda, especialmente por meio da atuação nos processos de alteração da legislação, combatendo a precarização das relações de trabalho e a exploração com baixos salários e concentração de renda;
Contrapor-se à Proposta de Emenda Constitucional Nº 108/2019, que transforma os conselhos profissionais em entidades privadas, o que impossibilitaria a fiscalização e aplicação de penalidades aos que exercem a profissão de forma irregular ou mesmo ilegal. Sem a orientação e fiscalização das profissões regulamentadas como arquitetos, engenheiros, advogados, médicos, etc, aumentariam os riscos para a integridade, a salubridade e segurança de toda a população.
Manifestar total oposição ao projeto de lei de Licitações, já aprovado na Câmara Federal e em discussão no Senado, que visa implementar a contratação integrada de projetos e execução de obras públicas, comprometendo as soluções arquitetônicas e urbanísticas, dando margem à precarização das obras públicas, gerando prejuízos à transparência na utilização dos recursos e prejudicando a qualidade e a durabilidade dessas obras.
Porto Alegre, 12 de outubro de 2019